Até mais ver: Notícia: Arrigo Barnabé -Parte II

domingo, março 16, 2008

Notícia: Arrigo Barnabé -Parte II

Compositor fala de sua formação, de estética,
de vanguarda e da linha evolutiva da música brasileira


Os timbres e contrapontos
de Arrigo Barnabé, um inventor

ÁLVARO KASSAB


O compositor paranaense Arrigo Barnabé vai montar um espetáculo coletivo no âmbito de suas atividades de artista-residente da Unicamp. Segundo Arrigo, que ficará na Universidade ao longo do primeiro semestre, o projeto vai envolver alunos de várias unidades numa obra que reunirá elementos da música, teatro, dança e artes plásticas, entre outros. “Será um trabalho interdepartamental”. Retomado em 2006, o Programa Artista-Residente já trouxe para a Universidade nomes como Décio Pignatari, Fernando Morais, Ruy Castro e Lélia Abramo.


Arrigo, que também dará palestras e oficinas, vai sugerir a criação de um grupo de estudos que se dedique a analisar as diferentes vertentes estéticas da música brasileira. “Seria interessante contrapor Adorno, Tinhorão e Augusto de Campos”, observa o compositor, que pretende da mesma forma discutir a presença da tecnologia nos meios de produção artística. “Estamos no começo de uma nova era na área da composição. Teremos muita mudança em razão dessa interação música-computador”, prevê.


Na entrevista que segue, Arrigo fala das influências que marcaram sua trajetória, analisa a cena musical – popular e erudita – brasileira, e diz que não abre mão de manter-se fiel aos princípios que nortearam o seu trabalho desde o final da década de 70, quando surgiu para o grande público ao ganhar o Festival Universitário da TV Cultura com a música Diversões Eletrônicas. “Nunca quis o sucesso”, revela o compositor. “Eu celebro a dissonância”.


Jornal da Unicamp – Quais são suas expectativas em relação à temporada na Unicamp?


Arrigo Barnabé – Vamos ter muito trabalho pela frente. Nossa proposta é apresentar um espetáculo ao final do projeto. A idéia é reunir alunos de composição de música erudita, de música popular e de multimeios. Será um trabalho de composição. Teremos de erguer uma obra com os alunos. A intenção é trabalhar de forma integrada com estudantes de outros departamentos, entre os quais de dança, teatro e artes plásticas. Será um trabalho interdepartamental.



JU – Como essa obra será construída?


Arrigo – Propus um trabalho que seja feito em classe. Não teria sentido eu escrevê-lo. O objetivo é trabalhar, no caso dos alunos de música popular, com a idéia da linguagem articulada, pensando na fala, no texto literário; já com alunos de música erudita, vou trabalhar com a coisa inarticulada, ou seja, mais abstrata. A execução da obra, acredito, ficará a cargo dos corpos da Unicamp – as orquestras, corais, alunos de teatro, de dança etc.



JU – Sua trajetória está de alguma maneira ligada à universidade. Em que medida a formação acadêmica pode ser útil ao artista?


Arrigo – A formação acadêmica é importante para o artista. Aprendi isso fazendo a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. A FAU era uma escola espetacular. Seu básico deveria ser adotado pelas escolas de artes. Era uma escola livre, existia muita conversa entre os alunos. Não sei como está hoje, mas em 1971/72 tínhamos acesso a várias atividades culturais. Aliás, acredito que todas as escolas deveriam ter uma liberdade maior na grade curricular. Às vezes, o aluno de música tem interesse por matemática.


Por outro lado, os critérios adotados na avaliação da produção de conhecimento, na academia, não podem ser os mesmos em áreas tão diferentes como a de artes e de ciências exatas ou tecnológicas. Um aluno de artes plásticas, por exemplo, não pode ser avaliado como se avalia um médico; artista não é engenheiro... Isso é, na minha opinião, um grande problema na universidade brasileira. A mensuração dessa produção precisa ser outra. Não basta apenas cumprir etapas. Esse processo de legitimação da capacitação do aluno é muito complexo, precisa ter outros critérios.





JU – Você funde, em sua obra, influências de Erza Pound, música atonal, poesia provençal, referências ao submundo, dodecafonismo e rock, entre outros elementos e junções. Esse hibridismo tem a ver com sua formação?


Arrigo – Não sei dizer exatamente. Estudei música num conservatório em Londrina, mas não era um aluno destacado. Por outro lado, sempre tive muito interesse pela área cultural – literatura, artes, cinema etc – enfim, toda essa parte de atividades, digamos, espirituais, inclusive a religião. Claro que sofremos o impacto do Tropicalismo, da música de entretenimento. Ela tem um valor afetivo muito grande e ultrapassa, muitas vezes, a idéia de mero entretenimento. Acabou se transformando em referência artística.



JU – Quais foram essas influências?


Arrigo – Fui criado em plena cultura de massa, na indústria cultural, nos anos 60. Tive contato com todas as coisas que tentavam ser carregadas de significados, sobretudo os movimentos da época. Eles tinham conteúdo, não eram coisas vazias. Depois, tudo foi se esvaziando, mas na época aquilo foi superimportante.


Fui influenciado por aquelas pessoas que faziam essa produção artística de maneira mais radical e ideológica. Esses artistas eram contra a idéia de sistema, pelo menos num primeiro momento. Isso de uma certa forma cristalizou alguns timbres do entretenimento. Foi uma espécie de paradigma.


É difícil, por exemplo, uma pessoa da minha geração não gostar de guitarra elétrica, não achar legal aquelas timbragens todas produzidas eletronicamente por Jimi Hendrix e por outros artistas. Isso faz parte da nossa formação. Além de ter um valor afetivo, tem um outro significado: é uma conquista tecnológica.



JU – Havia então uma noção dos elementos com os quais mais tarde você iria lidar?


Arrigo – Havia uma idéia – bastante discutível – muito veiculada na época, principalmente pelo pessoal de esquerda, de que a arte tinha que ser popular. Eles pregavam que a arte tinha que comunicar diretamente. Se ela não comunicasse diretamente, aquilo não era arte. É um negócio completamente errado. Esse pessoal mais dogmático olhava tudo desse ponto de vista utilitário. Era uma coisa mais ligada ao realismo socialista, ou seja, a arte tinha que ter uma utilidade. Isso era exatamente o contrário da maneira como eu via e pensava a arte. A arte, para mim, não serve para nada. Ela só serve para existir.



JU – Como você convivia com esses dogmas?


Arrigo – Não há necessidade de se fazer propaganda de uma ideologia. Isso atrapalhava muito naquela época, era um negócio complicado. Como esse pessoal via Beethoven, Bach? Eu não tinha interlocutores, estava muito sozinho. Eu me lembro que, nessa época, no começo dos anos 70, logo depois de ter contato com a obra de [Erza] Pound, eu li Signos em Rotação, do Octavio Paz. É um livro que considero fundamental para ter a compreensão dessa obra atemporal, da arte que acontece no tempo, como a poesia e a música. Gosto dessa idéia de você instituir e criar um tempo, como se você criasse um eterno presente – na hora em que é obra é lida, vista ou escutada, o tempo começa de novo, passa a ser próprio. Paz fala muito disso no ensaio Consagração do instante.


Além disso tudo, das referências, das influências e das ideologias, eu não via na música erudita brasileira, naquele momento, coisas muito inspiradoras. Claro que tínhamos compositores importantes – Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira, Marlos Nobre, entre outros –, cujos trabalhos eram potentes. Mas essa potência não era igual àquela da música popular que, mesmo nas áreas mais comportadas, tinha mais espontaneidade.



JU – A que você atribui essa diferença de tratamento?


Arrigo – Talvez pelo fato de a música erudita ser mais engessada, em razão de você avaliar apenas a parte técnica em detrimento da musicalidade. Muitas vezes, não quer dizer nada o fato de a pessoa ter feito uma coisa de forma correta. Por outro lado, a gente tinha contato com o trabalho de compositores como [Karlheinz] Stockhausen, [Igor] Stravinsky, cujas obras eram superpotentes. Lembro-me do impacto que senti ao escutar o Cântico dos adolescentes. Mesmo Bartók, que só vim a escutar já no final dos anos 70, era um negócio espetacular.


Ao tomar contato com essa produção culta, constatei que no Brasil artistas como Júlio Medaglia e Rogério Duprat misturavam elementos no movimento tropicalista e em outras obras. Independentemente da obra desses compositores, o trabalho de ligação feito por eles fez com que fossem colocados como co-autores. Tudo isso nos impulsionava. Acreditávamos na idéia de que a música popular era arte.
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1 Verdade

mr.Poneis disse... [responder]

Música é Coração

(É a única coisa que me ocorreu agora pra postar...)

Até mais ver