‘A dissonância está ligada à
descoberta do inconsciente’
JU – E o que você fez para ser ouvido?
Arrigo – Essa emancipação da dissonância que aconteceu na música erudita no século 20 está ligada à descoberta do inconsciente e a uma série de outras coisas. A música não é somente a música... Por outro lado, eu escrevi um texto que justificava de uma certa forma a dissonância. Era um texto que falava de violência, de agressividade, de relações conflituosas. As letras das músicas contavam histórias, entravam na estética do cruel. As pessoas que prestassem atenção às letras teriam um caminho para compreender a dissonância. As pessoas que não suportassem o texto não iam mesmo gostar, de jeito nenhum.
JU – E no caso de Itamar Assumpção?
Arrigo – Ele ficava bravo se você dissesse que sua música era experimental. Ele dizia: “Experimental é o Arrigo. Minha música é popular”. E é mesmo. O Itamar podia ter feito muito mais sucesso do que fez. Ocorre que ele tinha um gênio muito difícil, e isso o atrapalhou. A indústria cultural exige muito jogo de cintura e, além disso, você precisa ter oportunidades que não existiam na nossa época.
A própria forma de exposição da nossa produção foi complicada, porque não havia programas de rádio e de televisão como tínhamos nos anos 60. Se o Itamar tivesse surgido nesse período, teria sido um Jorge Ben, um cara superconhecido. Eu aceito essa dificuldade. Acho que é normal.
JU – Você transita entre a música popular e a música erudita. Que avaliação você da música erudita brasileira?
Arrigo – Temos compositores muito importantes, além daqueles que eu mencionei no início da entrevista, quando falava das coisas que me influenciaram. O Almeida Prado, por exemplo, é reconhecido mundialmente e muito executado no exterior. É uma referência, embora já seja um compositor mais novo, de uma geração intermediária. Na época em que comecei a me interessar por música, ele ainda não era consagrado como é hoje; meu contato com sua obra foi posterior aos anos 60 e 70.
Para falar dos mais antigos, temos o [Cláudio] Santoro e outras expressões muito fortes na área da música erudita. O Brasil é um país de compositores. Há muita qualidade de composição. Tivemos Villa-Lobos, [Camargo] Guarnieri, para não falar dos outros que não são tão conhecidos, como o Lindemberg Cardoso.
JU – A que você atribui o fato desse tipo de música ser tão pouco difundido?
Arrigo – Ocorre que, neste período de triunfo da sociedade de consumo, a atenção para essas coisas que exigem cuidado é cada vez mais difícil. Escutar Villa-Lobos, Almeida Prado, Guarnieri e tantos outros exige cuidado. As pessoas não estão preparadas para serem carinhosas com as coisas. Elas querem consumir.
Com o sistema de ensino cada vez mais deficitário, as pessoas não são preparadas para entender essas coisas. Antigamente, numa escola primária, tínhamos contato no mínimo com a obra de um Olavo Bilac. Isso nos colocava diante de muitas questões. As aulas de música integravam o currículo. Hoje em dia, o negócio beira o ridículo. É preciso então tentar uma estratégia diferente e, de certa forma, meu trabalho faz isso.
JU – Que tipo de estratégia?
Arrigo – Meu trabalho fala direto com a pessoa. É erudito – há justaposições de vozes, por exemplo – mas eu estou usando timbres eletrônicos, baixo elétrico, guitarras, sintetizadores. Você passa a trabalhar considerando o entretenimento como parte da cultura.
"Acho que estamos no começo de uma nova era na área da composição.
Teremos muita mudança em razão dessa interação música-computador"
JU – Ainda há espaço hoje para manifestações de vanguarda?
Arrigo – Octavio Paz já escreveu sobre a tradição da ruptura, ou seja, que a ruptura já virou uma tradição. Isso é interessante. Não sei analisar muito bem, mas não temos mais essa idéia de a vanguarda romper com uma tradição. Talvez estejamos entrando num processo por meio do qual teremos de reavaliar o aspecto artesanal das coisas. Acredito até que, em função dos computadores e dos meios eletrônicos disponíveis, está começando a surgir um novo artesanato.
Hoje em dia você pode ter um compositor trabalhando não mais com pautas, pentagramas ou instrumentos comuns, mas com outro tipo de ferramentas, manipulando sons. Acho que estamos no começo de uma nova era na área da composição. Teremos muita mudança em razão dessa interação música-computador. Gostaria muito de discutir todas essas questões com os alunos ao longo do período em que eu permanecer na Unicamp.
JU – Na chamada linha evolutiva da MPB, na sua opinião o que surgiu de novo depois do trabalho desenvolvido por seu grupo?
Arrigo – Meu trabalho, como disse, não é na área da canção. Vejo coisas interessantes sendo feitas por pessoas novas que estão trabalhando com textos. O grande problema na música popular brasileira é o texto. Você teve letristas de uma qualidade muita alta na geração anterior – Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola e, antes disso, Vinicius de Moraes e muitos outros. Enfim, dentro dessa tradição toda você tem letristas de uma qualidade inacreditável.
Ocorre que hoje muita gente está fazendo coisas dentro de um formato. Ou seja, existe muita diluição derivada daquele momento de ouro da letra na música popular brasileira. É isso que eu sinto, embora sempre apareçam algumas vozes originais. Hoje, porém, é difícil você ver compositores como Cartola, Nelson Cavaquinho e Itamar.
domingo, março 16, 2008
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2 Verdades
- Gustavo Borim disse... [responder]
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Até mais ver
Palilo - 16 de março de 2008 às 20:38
- mr.Poneis disse... [responder]
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♪~ (assovio)
Neste mundo existem muitas coisas estranhas.
Entretanto, não importa o quão estranha ou bizarra seja uma visão, se não há ninguém lá, se não ninguém para ver, se não há pessoas envolvidas, não passa de um mero fenômeno.
Apenas algo que aconteceu.
Isso porque, neste mundo, as pessoas são os seres mais misteriosos que existem. – Ichihara Yuuko (nome falso)
xXxHolic
Até mais ver
mr.poneis - 17 de março de 2008 às 11:58
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