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Após ler 2 jornais, completar uma palavra cruzada e, pela terceira vez em toda a minha vida, realizar a façanha de completar um Sudoku - de nível fácil - sinto que o suor das minhas costas já molhou o banco do carro, não me resta outra alternativa além de levantar e deixar o banco e as minhas costas secarem.
Olhando de longe já bastava para perceber que minha mãe ainda ficaria no mínimo mais uns 40 minutos naquela loja. Algumas peças espalhadas pelo balcão, minha mãe observando-as e debatendo incessantemente com a vendedora. Decido ir até a praça, passar por uma banca para ver as manchetes dos jornais sobre as notícias que eu havia acabado de ler - sim, realmente é deprimente não ter o que fazer.
Após certificar-me pela milionésima vez na minha vida que os jornais falam as mesmas coisas só que com palavras diferentes (e enfoques diferentes, muitas vezes tendenciosos, mas não é sobre isso que venho falar hoje), estou caminhando de volta para o carro quando, ao passar por uma grande loja varejista, alguém me chama pelo nome. É um antigo colega do curso de informática básica que fiz há uns 10 anos atrás, com o qual eventualmente cruzo por essas mesmas ruas dos arredores do centro da cidade. Como de praxe, paro para aquelas rápidas conversas de antigos colegas, onde descrevemos brevemente como anda nossa vida financeira, estudantil e amorosa. Meu rosto demonstrava maior interesse do que eu realmente sentia por essa conversa, creio eu. Após fazer a minha breve descrição das mudanças que minha vida teve nos últimos meses que não nos vimos, quando ele começava a falar como andava a vida dele, surge por detrás dele uma pessoa com muletas. Era seu primo, que também fizera o curso de informática conosco há uns 10 anos atrás.
Estendo animadamente a mão para cumprimentá-lo (é impressionante como consigo parecer animado durante conversas tão entediantes), e enquanto cumprimentava-o cuidadosamente para não desequilibrá-lo, escolhia mentalmente as palavras para perguntá-lo como e quando ele machucou a perna, ou o pé. Nesse momento desvio meu olhar para baixo, e observo a "perna" da calça jeans dobrada até a altura da virilha, presa por um grampo, totalmente vazia. Ele não havia machucado a perna nem o pé, ambos haviam sido amputados, juntamente da coxa. Evidentemente meu rosto deixou transparecer a surpresa, e ao olhar para o rosto dos dois primos, seus rostos traspareciam constrangimento, clima que imediatamente também me contagiou.
Apressadamente o primeiro primo continuou seu breve resumo dos últimos meses, enquanto o segundo, o amputado, olhava para o vazio. Despedimo-nos. Segui meu caminho, enquanto ambos voltavam ao interior da loja.
Passei o resto do dia com uma sensação estranha. Não chamaria de pena, nem de constrangimento, nem de arrependimento por ter agido daquela forma naquele momento, nem mesmo de um misto de todas essas coisas. Simplesmente ficou um nó na garganta, que só o tempo vai desatar. E a ciência de que ainda tenho muito que aprender sobre a arte do convívio humano.
Até mais ver..
PS: 158 dias sem postar. Acho que o recorde do blog é meu. E agora retorno com meu primeiro brainstorm.
PPS: Sobre a foto: é o primeiro resultado quando se faz a busca de imagens do Google usando a palavra "perdido".